Tribunal Regional Federal - TRF2ªR.
APELAÇÃO CÍVEL - 396810
Processo: 2006.51.17.001803-9 UF: RJ Órgão Julgador: OITAVA TURMA ESP.
Data Decisão: 30/10/2007 Documento: TRF200173328
Fonte DJU DATA:05/11/2007 PÁGINA: 228
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL POUL ERIK DYRLUND
APELANTE: SONIA REGINA LAMEIRA VIEIRA
ADVOGADO: MARCUS VINÍCIUS BARROS DA SILVA
APELADO: UNIÃO FEDERAL
ORIGEM: 1 VARA JUSTIÇA FEDERAL SÃO GONÇALO/RJ (200651170018039)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESTATUTÁRIA. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO COMPROVADA. ARTIGO 333, I, DO CPC.
1. O pressuposto para concessão de pensão à companheira é a comprovação da união estável, reconhecida como entidade familiar, definida no artigo 1º, da Lei 9.278/96, que regulamentou o parágrafo terceiro, do artigo 226, da Constituição Federal, como a convivência duradoura, pública e contínua entre um homem e uma mulher, com o objetivo de constituição de família.
2. O direito de a apelada receber pensão de seu companheiro depende de comprovação, tão-somente, da "união estável como entidade familiar" (Lei 8.112/91, artigo 217, I, "c") e de "convivência duradoura, pública e contínua" (Lei 9.278/96 - artigo 1º), o que não foi demonstrado de forma inequívoca nos autos, ônus que competia à autora (artigo 333, I, do CPC).
3. Do contexto fático-probatório dos autos, verifica-se que a autora não se desincumbiu do ônus de provar quer o domicílio em conjunto com o ex-servidor por oito anos, quer a dependência econômica deste, constituindo os documentos de fls. 45/47 declarações padronizadas a par de os depoimentos, prestados nos autos da ação de Justificação Judicial, causar espécie ante a exata coincidência dos termos; e o fato de a autora figurar na apólice de seguro de vida como beneficiária do falecido não constitui prova cabal de sua condição de companheira ante a ausência de robustez do conjunto probatório.
4. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da Oitava Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em desprover a apelação, na forma do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2007 (data do julgamento).
POUL ERIK DYRLUND
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por SONIA REGINA LAMEIRA VIEIRA em desfavor da sentença (fls. 92/96) que julgou IMPROCEDENTE a pretensão autoral deduzida nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA ajuizada em face da UNIÃO FEDERAL, que consiste na obtenção de pensão estatutária, em razão do falecimento do ex-servidor civil do Ministério da Marinha, Sr. Paulo César Monteiro.
Resumiu-se a vexata quaestio (fls. 92/93):
"A AUTORA pede a condenação da RÉ à implantação de pensão por morte e ao pagamento dos atrasados e consectários, alegando que PAULO CÉSAR MONTEIRO e ela, divorciados desde janeiro de 1992, teriam reatado o vínculo íntimo, em 1996, o qual teria perdurado até o óbito dele, em 25.05.2004. Salienta que, diante do agravamento da neoplasia maligna de cólon do servidor, decidiram contrair segundas núpcias. Mas o falecimento se deu no dia em que chegou a notícia da autorização para a dispensa do prazo de publicação dos proclamas e, portanto, autorização para o casamento. De posse de justificação processada no MM. Juízo de Direito da 4a. Vara Cível de São Gonçalo, requereu o benefício administrativamente, que lhe foi negado por ser divorciada, sem percepção de pensão alimentícia. Além do requerimento de habilitação, o fato de figurar como beneficiária de seguro contratado pelo pretenso instituidor poria à mostra sua condição de companheira".
A UNIÃO sustenta que a AUTORA não preenche os requisitos do Estatuto dos Militares e pede o acolhimento das preliminares ou a rejeição do pedido (fls. 57/8).
Em 'réplica', observa-se que PAULO CÉSAR era servidor civil do Ministério da Marinha. Isso conduziria à revelia, cuja decretação, com seus efeitos material e processuais, a parte AUTORA requer. Nada foi requerido em provas (fls. 62/3)."
O douto juízo a quo, após salientar a não verificação dos efeitos da revelia em razão de se tratar de pessoa de direito público, cujos bens e interesses são indisponíveis (artigo 320, II, do CPC), rejeitou o pedido sob o fundamento de que não restou provado nos autos a existência do vínculo more uxório a dar azo à concessão do benefício.
Inconformada, sustenta a autora a reforma da sentença (fls. 102/110), forte no argumento de que, a uma a ausência de contestação da ré importa nos efeitos da revelia (artigo 319 do CPC), até porque a decisão jurisprudencial que embasa o entendimento do juízo a quo refere-se à discussão sobre crédito tributário da Fazenda Pública, que constitui matéria diversa dos autos. A duas, a documentação acostada aos autos, consistente na habilitação matrimonial, declaração de residência conjunta dos nubentes, termo de justificação judicial, pagamento da apólice de seguro em favor da apelante, comprova a condição da autora de companheira do falecido a lhe assegurar o benefício na forma do artigo 217, I, alínea "c", da Lei 8.112/90.
Contra-razões da apelada (fls. 117/121) pelo desprovimento do recurso.
Parecer do MPF (fls. 126/128) no sentido da desnecessidade de sua intervenção do feito.
É o relatório.
POUL ERIK DYRLUND
Relator
VOTO
Como relatado, insurge-se a autora-apelante contra a sentença que julgou improcedente o seu pedido de obtenção de benefício de pensão, em razão do falecimento de ex-servidor civil do Ministério da Marinha.
Inicialmente, não merece reparo a sentença que entendeu pela inaplicabilidade dos efeitos da revelia, em razão de se tratar de pessoa de direito público, cujos bens e interesses são indisponíveis (artigo 320, II, do CPC), ante o pálio argumento da apelante de que a matéria versada no precedente jurisprudencial apontado no decisum recorrido refere-se a discussão sobre crédito tributário, vez que não se afigura qualquer disponibilidade da União no tocante à concessão de pensão estatutária.
Ainda que assim não fosse, os efeitos da revelia induzem a presunção relativa de veracidade, não necessariamente levando o juiz ao julgamento de procedência do pedido; a ele compete apreciar a lide de acordo com o seu livre convencimento e prova carreada.
No mérito, sustenta a apelante que, ao contrário da fundamentação da sentença recorrida, os documentos dos autos comprovam a condição da autora de companheira do ex-servidor, nos termos do artigo 217, inciso I, alínea "c", da Lei 8.112/90.
Sem razão a apelante.
Como é consabido, o pressuposto para concessão de pensão à companheira é a comprovação da união estável, reconhecida como entidade familiar, que vem definida no artigo 1º, da Lei 9.278/96, que regulamentou o parágrafo terceiro, do artigo 226, da Constituição Federal, como a convivência duradoura, pública e contínua entre um homem e uma mulher, com o objetivo de constituição de família.
A par disso, dispõe o artigo 217, inciso I, alínea "c", da Lei 8.112/90 que são beneficiários de pensões o companheiro ou a companheira que comprove união estável como entidade familiar, não exigindo a lei qualquer prova específica para tal, podendo, portanto, tal comprovação ser demonstrada por quaisquer meios de prova admitidos em direito.
Assim é que o direito de a apelante receber pensão do ex-servidor depende de comprovação, tão-somente, da "união estável como entidade familiar" (Lei 8.112/91, artigo 217, I, "c") e de "convivência duradoura, pública e contínua" (Lei 9.278/96 - artigo 1º), o que não foi demonstrado de forma inequívoca nos autos.
Do contexto fático-probatório dos autos, sobreleva-se a afirmação da autora, no exórdio de que (fls. 03/04):
[...] inicialmente contraiu matrimônio com o Sr. Paulo César Monteiro em 24 de abril de 1982, tendo vivido com este até a ruptura da vida conjugal ocorrida em janeiro de 1992, por divórcio consensual [...]
Desta união nasceu uma menina, filha única do casal [...].
[...] autora e o falecido retornaram ao convívio marital no ano de 1996, persistindo o mesmo até sua MORTE em 25.05/2004, totalizando mais de 08 (oito) ininterrupto de relacionamento público, estável e duradouro [...].
Nesta nova convivência autora e falecido, sempre se apresentaram como casados fossem, até porque, para parentes, amigos e vizinhos, sempre foram vistos como MARIDO E MULHER, apesar do breve período de separação pelo divórcio.
Passados alguns anos, o companheiro da autora começou a apresentar um sintoma médico, que mais tarde viria a ser identificado como 'câncer maligno' [..]
Orientado por amigos e familiares, quanto à necessidade de regularizar sua situação civil, de modo a garantir a sua MULHER (autora), segurança jurídica e previdenciária, segurança esta, só alcançada através de UM NOVO CASAMENTO.
Desse modo, a autora e seu companheiro (Paulo César Monteiro) requereram habilitação para novas núpcias [...]
Infelizmente, não suportando a gravidade de sua enfermidade, O COMPANHEIRO DA AUTORA SR. PAULO CÉSAR MONTEIRO FALECEU NO DIA 25/05/04, OU SEJA, NO MESMO DIA EM QUE REQUERERA AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DO CASAMENTO CIVIL FORA DA SEDE.
Munida dos documentos alusivos a habilitação matrimonial que processara junto ao 5º. RCPN, ingressou a autora com ação de RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL junto a 4a. Vara Cível da Comarca de São Gonçalo-RJ [...]"(grifos no original).
A par disso, em seu depoimento às fls. 97/98, esclareceu a autora que:
"Reatou o relacionamento com Paulo César e, após algum tempo, passou a residir com ele e a sogra, na Travessa Batista; isto por volta de 1991; antes morou com sua mãe, na Rua Siber de Mendonça e, depois, na Rua Aurélio Pinheiro; hoje mora com a filha a Rua Siber; não tem plano de saúde, nem o tinha à época do relacionamento; não se interessou em ser designada como dependente par usar os serviços da Marinha; Paulo César era alcoólatra e negligente com esse tipo de assunto, embora fosse muito preocupado com a mãe; ele ainda não tinha sido internado, quando foi requerida a habilitação para o casamento; foi pedida a dispensa do prazo para publicação do edital de proclamas, porque nessa época ele já estava internado; não sabe porque Paulo optou por se casar, em vez de solicitar a inclusão da autora nos registros da Marinha como companheira; ele tinha medo de deixá-la desamparada e não era bem informado sobre seus direitos; Mercedes, mãe do pretenso instituidor, faleceu três ou quatro meses após sua morte; a autora saiu da casa após o falecimento de Paulo, deixando espaço para que um irmão dele pudesse cuidar de Mercedes; as pessoas que figuram nos termos de declaração, nos autos da justificação, são irmãos de Paulo; a autora tem bom relacionamento com Antônio Monteiro, e não sabe porque ele não disse, ao noticiar o óbito, que ela era companheira do falecido."
De pronto, salienta-se que a autora não se desincumbiu do ônus de provar quer o domicílio em conjunto com o ex-servidor por oito anos, quer a dependência econômica deste.
É que, consoante bem asseverou o douto juízo a quo, "na inicial, consta como endereço da autora, Rua Siber de Mendonça. O mesmo endereço que aparece na conta de telefone de fls. 17. Já no requerimento dirigido à Marinha, é outro: Rua Aurélio Pinheiro. Essa multiplicidade foi elucidada pela autora, em seu depoimento. No entanto, não há nenhuma indicação, nenhum documento ou o que seja, que assinale sua passagem pela casa da ex-sogra, onde teria tornado a morar."
Ademais, a declaração de fls. 22 firmada pela autora e o servidor, para fins de instruir o processo de casamento, atém-se a atestar que residiam no mesmo endereço naquela data 30/04/2004, endereço este constante na certidão de óbito do servidor em 25/05/2004 (fls. 37), não sendo suficiente a corroborar a tese de que ambos viviam em união estável.
De igual modo, conforme fundamentação do decisum objurgado, não há nenhuma prova de que o falecido arcasse com as despesas da autora, nem que dividisse com ela o peso dos encargos domésticos, na alegada convivência de 8 anos, quer com a apresentação de uma nota fiscal referente à compra de eletrodomésticos, remédios, aluguel, telefonia, água e esgoto, eletricidade, tratamento de saúde, etc.
Noutro eito, da mesma forma que os documentos de fls. 45/47 constituem declarações padronizadas emitidas pelos irmãos do ex-servidor e pela filha da autora; os depoimentos prestados pelos mesmos irmãos do ex-servidor, nos autos da ação de Justificação Judicial, perante a Comarca da Quarta Vara Cível de São Gonçalo (fls. 48/49), causam espécie ante a exata coincidência dos termos das duas declarações, in verbis:
"que conhece a requerente há mais de 30 anos, desde que a mesma casou-se com seu irmão Paulo César; que o casal divorciou-se e, no ano de 1996 reataram a união, inclusive com o nascimento da neta, filha de Laila; que o casal pretendia se casar novamente, dando entrada nos papéis, porém ocorreu o falecimento de Paulo César; que durante o período de separação o 'de cujus' não teve outra companheira; quer era o falecido quem mantinha a casa, visto que a autora não trabalhava fora; que o casal só teve uma filha; que o falecido era servidor da Marinha estava aposentado; que desde 1996 o casal morava sob o mesmo teto como se casados fossem."
A par disso, conforme assertiva da própria autora, após o ex-servidor receber diagnóstico médico de 'câncer maligno', orientado por amigos e familiares, quanto à necessidade de regularizar sua situação civil, de modo a garantir segurança jurídica e previdenciária, segurança esta, só alcançada através de UM NOVO CASAMENTO, a autora e seu companheiro requereram habilitação para novas núpcias.
Noutro giro, de pouca solidez o argumento da apelante de que as fotos de fls. 42 "mostra a Apelante em companhia de seu companheiro, na festa de aniversário do 1º. ano da neta Laysa Lameira, nascida em 30/09/1996 (fls. 39), e o falecido segurando a neta no colo, motivo maior para o retorno a vida conjugal com a Apelante".
Igualmente, o fato de a autora figurar na apólice de seguro de vida como beneficiária do falecido não constitui prova cabal de sua condição de companheira ante à ausência de robustez do conjunto probatório.
Cingindo-se, pois, as provas produzidas nos autos aos documentos e depoimentos acima analisados, conclui-se que não restou comprovada a união estável como entidade familiar, entendida como a convivência duradoura, pública e contínua entre um homem e uma mulher, com o objetivo de constituição de família, ônus que competia a autora, na forma do artigo 333, I, do CPC.
Ante o exposto, DESPROVEJO O RECURSO.
É como voto.
POUL ERIK DYRLUND
Relator
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Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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